Em seu famoso ensaio, O porco-espinho e a raposa, Isaiah Berlin dividiu a humanidade em porcos-espinhos e raposas, inspirado numa antiga parábola grega: “A raposa sabe muitas coisas, mas o porco-espinho sabe uma coisa muito importante”. A raposa é um animal astuto, capaz de vislumbrar uma miríade de estratégias complexas para atacar de surpresa o porco-espinho. Todos os dias, a raposa fica cercando a toca do porco-espinho, à espera do momento oportuno para atacá-lo. Rápida, traiçoeira, bela, agitada e manhosa, a raposa parece ter tudo para vencer. O porco-espinho, por sua vez, é desajeitado, anda por aí balançando o corpo, vivendo sua vidinha simples, correndo atrás do almoço e cuidando da casa.A raposa aguarda, em silêncio calculado, no cruzamento do caminho. O porco-espinho distraído, pensando na própria vida, cai direto no caminho da raposa. “A-há, agora te peguei!”, pensa a raposa. E salta, arremetendo contra o solo, movendo-se com grande rapidez. O pequeno porco-espinho, percebendo o perigo, olha e pensa: “E lá vamos nós de novo. Será que ela nunca vai aprender?”. Enrolando-se todo, como uma bola perfeita, o porco-espinho se transforma numa esfera de pontas afiadas, apontadas em todas as direções. A raposa, pulando sobre a presa, vê a defesa do porco-espinho e interrompe o ataque. Recua para a floresta e começa planejar uma nova linha de ataque. Todos os dias há uma nova versão dessa batalha entre o porco-espinho e a raposa – e, apesar da grande astúcia dessa última, o porco-espinho sempre vence.
A partir dessa pequena parábola, Berlin fez uma adaptação e dividiu as pessoas em dois grupos básicos: as raposas e os porcos-espinhos. As raposas atacam em várias frentes de uma vez, e veem o mundo em toda sua complexidade. Elas se “espalham ou se dispersam e se movem em muitos níveis”, afirma Berlin, e nunca integram seu pensamento num conceito geral ou visão unificadora. Os porcos-espinhos, por sua vez, simplificam um mundo complexo e o trasformam numa única ideia organizadora, um princípio básico ou um conceito que unifica e orienta tudo. Não importa o grau de complexidade do mundo; um porco-espinho reduz todos os desafios e dilemas a simples – na verdade, quase simplistas – ideias de porco-espinho. Para um porco-espinho, tudo o que não se relaciona de alguma forma com suas ideias não tem relevância.O professor Marvin Bressler, de Princeton, destacou o poder do porco-espinho em uma de nossas longas conversas: “Quer saber o que separa aqueles que causam maior impacto de todos os outros igualmente brilhantes? Os primeiros são porcos-espinhos.” Freud e o inconsciente, Darwin e a seleção natural das espécies, Marx e a luta de classes, Einstein e a relatividade, Adam Smith e a divisão do trabalho – todos eles eram porcos-espinhos. Pegaram um mundo complexo e o simplificaram. “Aqueles que deixam as maiores pegadas”, afirmou Bressler, “têm sempre milhares de pessoas dizendo, atrás deles: “Boa ideia, mas você foi longe demais!”Para ser bem claro, os porcos-espinhos não são burros. Longe disso. Eles compreendem que a essência de um insight profundo é a simplicidade. Existe algo mais simples do que e = mc²? Ou mais simples do que a ideia do inconsciente, composto de um id, um ego e um superego? Ou mais elegante do que a fábrica de alfinetes e a “mão invisível”de Adam Smith? Não, os porcos-espinhos não são simplórios; têm uma percepção aguçada, que lhes permite enxergar através da complexidade e discriminar padrões subjacentes. Os porcos-espinhos veem o que é essencial – e ignoram o resto.
Texto extraído do livro “Good to Great – Empresas feitas para vencer”, pg. 133-134.Jim Collins